Publicado em maio de 2025 na Scientific Reports (Nature), este estudo revela como a pressão escolar e os conflitos sociais ativam redes emocionais de sofrimento em adolescentes — e o que podemos fazer com empatia, evidência e ação
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💬 Introdução: Quando a ficção acerta em cheio — e a ciência ajuda a entender
Se você assistiu à nova série da Netflix Adolescência, sabe: ela não tem filtros. Mostra o que muitos jovens vivem e poucos adultos enxergam. Tristeza que não passa. Ansiedade que aperta o peito. Medo de ser excluído. Dificuldade de dizer o que se sente.
Não é à toa que a série virou tema de conversas, reportagens, e desabafos nas redes sociais. Ela toca numa ferida aberta — e, talvez sem querer, cumpre um papel fundamental: dar visibilidade ao sofrimento emocional adolescente.
Mas enquanto a série nos emociona, a ciência pode ajudar a nomear, compreender e agir. Em maio de 2025, um estudo publicado na Scientific Reports (grupo Nature) analisou mais de mil adolescentes e revelou como experiências como pressão escolar, punições e conflitos sociais se conectam a sintomas profundos de ansiedade e depressão.
Este artigo é um convite: vamos olhar para o que a série escancarou — e deixar a ciência iluminar os caminhos possíveis. Porque emoção e evidência não se excluem. Se completam.
🧠 O que está acontecendo por dentro do adolescente?
O estudo analisou 1.083 adolescentes de 14 anos em média. Para entender a relação entre eventos negativos da vida e sintomas emocionais, os pesquisadores aplicaram uma metodologia moderna: a análise de redes de sintomas.
Essa abordagem não olha os sintomas isoladamente. Ela constrói um “mapa” das conexões emocionais — mostrando quais sentimentos puxam os outros, quais gatilhos acendem a rede, e quais pontos sustentam o sofrimento.
📊 Como foi feito o estudo
Foram usadas três escalas validadas internacionalmente:
- ASLES — mede acontecimentos negativos recentes (como provas difíceis, punições, brigas ou perdas)
- CES-D — avalia sintomas de depressão (tristeza persistente, desesperança, sensação de esforço constante)
- SAS — mede sintomas de ansiedade (pânico, medo constante, tontura)
A análise gerou três redes:
- Uma entre eventos negativos e depressão
- Uma entre eventos negativos e ansiedade
- Uma rede integrada com todos os fatores
🔍 Onde está o centro da dor emocional
Os sintomas mais centrais foram:
Na depressão:
- “Me sinto triste quase todo o tempo”
- “Sinto que as pessoas não gostam de mim”
- “Me esforço demais para fazer qualquer coisa”
Na ansiedade:
- “Sinto pânico, sem saber por quê”
- “Sinto medo constante”
- “Tenho tontura ou sensação de desmaio”
Na rede integrada, dois sintomas dominaram:
- Humor depressivo
- Pânico
Ou seja: depressão e ansiedade estão interligadas. E muitos adolescentes não conseguem dizer “o que exatamente estão sentindo” — porque estão sentindo tudo, ao mesmo tempo.
⚠ Dois gatilhos que disparam tudo
O estudo identificou dois gatilhos principais:
- Pressão acadêmica: cobrança por notas, desempenho, provas e comparação
- Conflitos interpessoais: exclusões, brigas, rejeições, bullying
Esses fatores são como nós emocionais que puxam a rede de sofrimento. São situações aparentemente “comuns”, mas que se acumulam e criam um cenário de dor silenciosa — e cada vez mais comum.
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🌀 Ansiedade e depressão: vidas emaranhadas
Outro achado importante do estudo: os sintomas de depressão e ansiedade não estão separados. Eles se misturam, se reforçam e se confundem.
Muitos adolescentes não sabem se estão tristes ou com medo — porque estão os dois. E isso exige uma escuta mais fina, mais cuidadosa. E um olhar que reconheça essa complexidade sem rotular.
💡 O que podemos fazer: três pilares do cuidado emocional
O estudo não aponta apenas o problema — ele sugere caminhos de cuidado:
🌱 1. Acolher sem julgar
Adolescentes que dizem “não aguento mais” não precisam de sermão. Precisam de escuta real.
O que ajuda:
- Validar o que sentem (sem minimizar)
- Estar presente, sem corrigir
- Evitar frases como “isso é bobagem” ou “todo mundo passa por isso”
🛠 2. Atuar sobre os gatilhos
Se o problema começa na escola e nas relações, é aí que precisamos intervir.
O que ajuda:
- Repensar como cobramos desempenho escolar
- Criar ambientes escolares mais afetivos e seguros
- Ensinar empatia, cooperação e escuta
🤝 3. Construir redes de apoio verdadeiras
Não é preciso um exército de especialistas. Um adulto confiável já muda tudo.
O que ajuda:
- Espaços de escuta: na escola, em casa, com amigos
- Professores preparados emocionalmente
- Famílias presentes e conectadas
🧭 E como enfrentar de forma mais estruturada? Para além do acolhimento, uma estratégia real de prevenção
A ciência também aponta caminhos de prevenção duradoura e em escala:
- Educação emocional no currículo escolar, com práticas regulares e não apenas “eventos pontuais”
- Capacitação contínua de professores e equipes escolares, com foco em saúde mental e manejo de crises
- Protocolos institucionais claros, com acolhimento sigiloso, articulação com profissionais da saúde e escuta protetiva
- Participação dos adolescentes na criação de espaços seguros, ouvindo o que eles têm a dizer sobre o que machuca e o que ajuda
- Campanhas públicas contra o estigma, mostrando que pedir ajuda é um ato de coragem, não de fraqueza
🧩 Por onde começar: pequenos passos com grande impacto
- Dê nome ao que sente. Dizer “estou triste” ou “estou com medo” já alivia
- Observe os gatilhos. O que aconteceu antes de se sentir assim?
- Cuide do corpo. Dormir, comer, se mexer, respirar — o corpo sente tudo
- Procure alguém confiável. Um professor, familiar, amigo, terapeuta. Você não precisa atravessar isso sozinho
🌟 Conclusão: O sofrimento adolescente não é exagero — é um pedido de ajuda
Este estudo mostra com clareza: tristeza, pânico, medo e esgotamento não são frescura. São sintomas reais.
E mais: são sintomas com causas concretas — e com caminhos de enfrentamento possíveis.
A melhor resposta que podemos dar — como pais, educadores, sociedade — é parar de minimizar e começar a compreender. Porque quando um adolescente se sente visto, ouvido e apoiado, ele não se apaga. Ele floresce.
📚 Referência científica
Bi, X., Liu, Z., Su, W., Ou, K., Cui, H., Gao, T., Shi, K., & Ma, Y. (2025).
Exploring the relationship between negative life events and emotional symptoms in adolescents using a network analysis.
Scientific Reports (Nature), 15:16307
https://doi.org/10.1038/s41598-025-00044-z
⚠ Aviso importante
Este conteúdo é informativo. Se você ou alguém próximo está enfrentando sofrimento emocional, procure ajuda profissional. Psicólogos, terapeutas e médicos são aliados fundamentais. Conhecimento é um bom começo — mas cuidado exige presença.